segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Horário

"Durante as férias, levanto-me às sete horas, desço, abro a casa, faço chá, pico o pão para os passarinhos que esperam no jardim, lavo-me, espano minha mesa de trabalho, esvazio seus cinzeiros, corto uma rosa, ouço o noticiário das sete e meia. Às oito horas, minha mãe desce por suas vez; como com ela dois ovos quentes, uma rodela de pão torrado e tomo café preto sem açúcar; às oito e um quarto, vou buscar o jornal Sud-Ouest na cidade; digo à Senhora C.: o tempo está bom, o tempo está feio, etc.; e depois começo a trabalhar. Às nove e meia, passa o carteiro (o ar está carregado hoje, que lindo dia, etc.), e, um pouco mais tarde, em sua caminhonete cheia de pães, a filha da padeira (ela é estudada, não convém falar do tempo); às dez e meia em ponto, faço café preto e fumo meu charuto do dia. À uma hora, almoçamos; faço a sesta da uma e meia às duas e meia. Vem então o momento em que flutuo: nenhuma vontade de trabalhar; às vezes, faço um pouco de pintura, ou vou buscar aspirina na farmácia, ou queimo papéis no fundo do jardim, ou fabrico uma carteira, um escaninho, uma caixa para fichas; chegam assim quatro horas e novamente trabalho; às cinco e um quarto, é o chá; por volta das sete horas, para de trabalhar; rego o jardim (se o tempo está bom) e toco piano. Depois do jantar, televisão: se aquela noite está boba demais, volto à minha mesa, ouço música e faço fichas. Deito-me às dez horas e leio, um após outro, um pouco de dois livros: por um lado uma obra de língua bem literária (as Confissões de Lamartine, o Diário dos Goncourt, etc.), por outro lado um romance policial (de preferência antigo), ou um romance inglês (fora de moda), ou Zola. - Tudo isso não tem nenhum interesse. Ainda mais: não só você se marca como pertencente a uma classe, mas ainda você faz dessa marca uma confidência literária, cuja futilidade não tem mais aceitação: você se constitui fantasmaticamente como 'escritor', ou ainda pior: você se constitui" (Roland Barthes em Roland Barthes por Roland Barthes).

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